domingo, 24 de maio de 2009

A Pré-História em Itutinga



“Os problemas significativos que criamos não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento que estávamos quando os criamos”.
Albert Einstein


Evidências da presença humana ancestral em Itutinga (ainda) estão bem à vista.

Entre machados de pedra polida, encontrados às margens do Rio Grande e pelos campos cerrados, há também o que se pode considerar um sítio arqueológico de arte rupestre. Trata-se de uma gruta localizada na vertente sul da Serra Ouro Grosso, no local conhecido como Boqueirão.

Para a Geomorfologia (ciência que estuda as formas do relevo), boqueirão significa “abertura ou gargantas estreitas cortadas, por vezes, em serras por onde passa, ou passou, um rio” (GUERRA, Antônio T. Dicionário geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: IBGE, 1989).

Pois bem, no Boqueirão se encontram vestígios de pinturas rupestres que aguardam a investigação científica. Investigação essa que pressupõe o cumprimento de rigorosa metodologia de trabalho. É preciso delimitar o sítio para, em seguida, começar o trabalho de identificação, classificação, catalogação e interpretação das figuras.

A ação dos tempos, da natureza e da sociedade já deixou suas marcas nas pinturas rupestres do sítio Boqueirão. O que se pode observar de imediato são reproduções de mãos humanas de diferentes tamanhos. Há também uma série de grafismos de difícil identificação.

Ao que parece, é uma unanimidade entre os arqueólogos que os homens pré-históricos utilizavam-se das gravuras rupestres com a finalidade de manter a comunicação. Os registros deixados em rocha, aliás, constituem objeto de estudos de uma infinidade de pesquisadores. Pintura rupestre se define por um tipo de arte feita pelos homens pré-históricos nas paredes das cavernas. Como os homens desta época não tinham um sistema de escrita desenvolvido, utilizam os desenhos como uma forma de comunicação. Retratavam nessas pinturas cenas do cotidiano como, por exemplo, a caça, animais, descobertas, plantas, rituais etc. As pinturas rupestres seriam, portanto, o registro da história social dos habitantes de determinado período. Costumes que permitiriam que outros grupos ou futuras gerações de seus próprios grupos utilizassem-se destas informações registradas. Essa é uma das hipóteses da natureza dessas pinturas, a função educadora. Existem outras, como por exemplo, a função xamânica. Segundo essa hipótese os líderes espirituais retratariam, nas paredes, imagens de suas visões de transe. Essa hipótese se apoia, em grande medida, no fato de que muitos dos desenhos não retratam nada de concreto.

As paredes das cavernas serviam também como uma espécie de agenda, onde eram desenhadas algumas ideias ou mensagens. Os homens pré-históricos faziam estes desenhos utilizando elementos da natureza: extratos retirados de plantas, árvores e frutos, sangue de animais, carvão, rochas etc.

Os sítios arqueológicos, como o nome já indica, estão cheios de registros (fósseis, desenhos rupestres ou objetos) de povos ou animais que viveram em um passado distante. Sua preservação, é, por isso mesmo, crucial para que possamos entender como viviam estes povos ou criaturas e, assim, através desse conhecimento, podermos entender melhor como vivemos hoje; trata-se de preservar um passado mais ou menos conservado ao longo do tempo.

Não apenas a preservação de um sítio como um todo é importante, mas também a correta manipulação desse sítio deve ser feita de modo que, ao explorá-lo, não seja completamente deteriorado o seu conteúdo. Assim, ao surgirem novas técnicas de análise (como é o caso dos exames de DNA), possamos ainda ter seu conteúdo (ou parte dele) preservado para que esta nova técnica seja empregada. Ou seja, quanto menos pudermos alterar as características originais de um sítio através de análises não-invasivas, melhor. De maneira tal que, os locais que contêm esses elementos arqueológicos, mesmo já tendo sido explorados, conhecidos e catalogados, ainda contenham diversas pistas sobre o passado da humanidade, do passado da terra e das criaturas ali viventes.

Em próxima postagem traremos à discussão o que esse sítio (e outros mais) pode(m) representar para o desenvolvimento socioeconômico local, bem como para a preservação dos patrimônios naturais.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A Planta Carnívora de Itutinga


Vamos conhecer um pouco da nossa flora. Apesar do impacto ambiental causado pelo avanço das pastagens e pelos grandes alagamentos das hidrelétricas, a biota do município de Itutinga ainda causa surpresas ao observador atento. A “modelo” da foto acima é uma Drósera, espécime de planta carnívora muito parecida com uma flor, fotografada no Poço da Aliança, no sopé da Serra do Pombeiro.
Ela não é um monstro que devora criancinhas ou caçadores de tesouros, muito pelo contrário, é absolutamente inofensiva para alguém maior que um inseto. Este exemplar tem apenas 2,6 cm e a imagem foi capturada por uma lente “macro”, especial para registrar pequenos detalhes.
Existem várias dróseras espalhadas pelo mundo, rotundifolia, homeopatia, ragnarok, burmaninnii, intermedia, capensis, montana, sessilifolia, entre outras. A nossa é, provavelmente, uma “Drosera spatulata”. Ela tem parentes muito próximos na Austrália, país que mais apresenta plantas carnívoras no mundo depois do Brasil, mas pode ser encontrada em regiões quentes como as florestas tropicais, nos estorricantes desertos australianos e até nas tundras geladas da Sibéria, mas não na Antártica.
Atualmente são conhecidas mais de 500 espécies dessas plantinhas que comem bichinhos; só no Brasil existem mais de 80, em quase todos os estados, mas com maior ocorrência em Goiás, Bahia e Minas Gerais.
Voltando à nossa Drósera, é interessante saber como ela faz para capturar e “digerir” a sua presa. Ela utiliza o mesmo princípio das flores para atrair insetos: cores e odor de néctar, e mais, a luz refletida pelas numerosas gotículas de mucilagem (substância gelatinosa que forma uma solução viscosa) atrai insetos voadores que ficam presos e são “agarrados” pelos mortais tentáculos da planta, vagarosamente, enquanto ela enrola suas folhas e libera as enzimas proteolíticas (que digerem proteínas) que quebram as substâncias em moléculas menores para que elas possam ser absorvidas pelas folhas num processo de “digestão”. Acredita-se que a proteína dos insetos seja um complemento alimentar, pois a nossa vilã habita solo pobre, geralmente pedregoso e úmido.
Se você encontrar alguma plantinha carnívora na natureza, proteja-a, ela é muito frágil. Se você levá-la pra casa ela provavelmente vai morrer, pois precisará de cuidados muito especiais; deixando-a na natureza, outras pessoas poderão vê-la saudável e feliz degustando deliciosos insetos, animais e organismos aquáticos microscópicos, pequenos moluscos (lesmas, caramujos), artrópodes em geral (crustáceos, aranhas, centopéias), e, ocasionalmente, as mais vorazes, pequenos vertebrados, como sapos, lagartixas, pássaros e até pequenos roedores.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Itutinga ficou de fora


A TV Novo Tempo, de Jacareí – SP, está produzindo uma reportagem sobre a Estrada Real, e as belezas de Itutinga não poderiam ficar de fora. A ideia era mostrar uma canoagem com canoas canadenses no maravilhoso monumento natural do município conhecido como Garganta (Foto).
Como se sabe, a Garganta foi cercada por um muro “quilométrico”, o acesso só pode ser feito por água, e é exatamente aí que está o gargalo: a Prainha, da CEMIG, é o único ponto onde se pode chegar à Represa de Itutinga levando uma embarcação; é preciso transpor a “Segurança Patrimonial da CEMIG”.
Conversamos com o guarda-camping Félix Gonçalves dos Santos (Baianinho), este, de folga, nos remeteu à portaria da CEMIG. Falamos com o vigia Francisco (Sabidão), este, com o tenente Carlos, e em vez de uma “autorização” para acessar a represa e colocar na água as canoas, conforme assegura a Constituição Brasileira, como Direito do Cidadão, o livre acesso aos bens da União, recebemos um “NÃO”!
Na reportagem Itutinga estaria figurando entre as cidades de Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e São João Del Rei. Com o “incidente”, a equipe da TV Novo Tempo resolveu incluir Carrancas no roteiro, e se dirigiu para lá.
Desta vez quem perdeu foi o desenvolvimento do turismo, a divulgação das belezas de Itutinga, para o Patrimonialismo! Abra os olhos, Poder Público!

(Para saber mais, leia o post “Acesso à Água” publicado neste blog em 6 de abril de 2009)

domingo, 10 de maio de 2009

Expedição fotográfica.




Vim a Minas para ministrar “Técnicas de Fotografia na Natureza” no curso de Pós-graduação Latu Sensu em “Avaliação da Flora e Fauna em Estudos Ambientais”, coordenado pelo Prof. Antonio Carlos da Silva Zanzini, na UFLA, em Lavras, entre os dias 4 e 9 de maio de 2009. Me programei para que ao menos três dias eu ficasse livre para fotografar o cerrado, e a minha escolha foi voltar a Itutinga que sempre trouxe bons resultados fotográficos graças à sua exuberância de cenários e a das vidas animal e vegetal da região.
Estou escrevendo este texto na véspera da partida para Bertioga, minha e de “De”, depois de três dias e meio de muitos “clicks” e com a certeza do sucesso no trabalho realizado. Estou indo contra a minha vontade, que é de ficar mais nestas bandas e, com certeza, uma das razões das produções serem realizadas com um aproveitamento fantástico é a parceria com a “Conexão Aventura” do “Paulo e da Adriana e toda a sua equipe”, que já nos levaram em expedições fotográficas, seja a pé ou de caiaque, para muitos pontos desta região.
As serras oferecem pontos especiais para que o dia comece com uma produção fotográfica do nascer do sol. Depois, escolhendo qualquer rumo pela zona rural, encontro diferentes emoções para um “click”, no próprio cenário das estradas, com as matas, vales, afloramentos rochosos e sempre perto de muita água, corredeiras, remansos, cachoeiras e fantásticos tanques como o Poço da Aliança e o Poço do Engenho, visitados hoje, no Pombeiro, tendo Renato Andrade como guia.
Uma caminhada no cerrado sugere colocar minha lente macro, que me leva a ver, ter emoções e fotografar os pequenos detalhes que surgem como mágica. É aí que eu conto com bons parceiros de caminhada, ninguém tem pressa ou se incomoda com a “velocidade” do fotógrafo.
Para terminar o dia, Paulo nos levou para o alto da Serra do Pombeiro para assistir um espetáculo não muito comum; um pôr-do-sol com o nascer da lua. Para descrever esta emoção a De soltou a frase; “Du, olhe que coisa louca, não parece que estamos na esquina do mundo, de um lado o sol e de outro a lua?”.
Esta mistura de cultura, mata e cerrado em uma mesma caminhada é um prato cheio para quem curte fotografia em um lugar de gente boa e hospitaleira que torce e ajuda para que seu trabalho seja o melhor.
Abraços para Itutinga!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Menos uma Onça-Parda no Mundo


A suçuarana atropelada em Itutinga desapareceu para sempre.
Na madrugada do dia 27 de abril, uma onça-parda (Felis concolor capricornensis) foi atropelada por um caminhão enquanto atravessava a BR-265, aqui em Itutinga-MG. Era um jovem macho de aproximadamente 40 kg, segundo testemunhas. É mais uma baixa inestimável, mais uma vítima das precarizadas rodovias do Brasil.
É muito recente a preocupação ambiental na construção e mesmo na manutenção das estradas no Brasil. Há poucos anos é que se começou a incluir nos projetos algumas formas de minimizar o impacto ambiental e também algumas estratégias de preservação, como por exemplo os túneis sob o asfalto.
Segundo o Livro Vermelho dos mamíferos brasileiros ameaçados de extinção (Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, 1997), tamanho e peso variam significativamente, de acordo com as subespécies de suçuarana encontradas de norte a sul do continente americano. Machos adultos pesam entre 55 e 65 kg, ao passo que as fêmeas pesam entre 35 e 45 kg.
Pode-se dizer que, entre os animais nativos da América, a suçuarana é um sucesso em termos de adaptação aos ambientes, pois ocupava, originalmente, diferentes espaços naturais por todo o continente. Desde o Canadá até o sul da Argentina e do Chile.
Predador eficaz, a onça-parda utiliza-se de um amplo espectro de presas, variando conforme a área geográfica e com a disponibilidade de recursos. Na América do Sul, e especialmente no Brasil, suas principais presas são a capivara, a cutia, a paca, além de pequenos roedores e aves. Em algumas regiões a predação de animais domésticos também é observada. As populações encontram-se altamente ameaçadas pela caça em várias localidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, por ser uma importante predadora de animais domésticos, sendo atribuída à espécie prejuízos significativos aos rebanhos de gado. É importante levarmos em séria consideração que, nesse caso, a pecuária é responsável pela degradação, diminuição e destruição do hábitat desse felino. As alterações no hábitat devem ser entendidas como redução da disponibilidade de presas, água e abrigo, ou seja, degradação das condições de vida e de reprodução da espécie. Nas regiões do Brasil onde a criação de gado já está estabelecida há muito tempo, são raríssimas as informações sobre a ocorrência da suçuarana.
A suçuarana é um animal que percorre grandes distâncias, cada indivíduo ocupa um território estimado em 25 km². São estimados 100 km² para cada grupo de 4 indivíduos. Fêmeas atingem a idade reprodutiva aos dois anos e meio e os machos, aos três. A gestação tem duração média de 90 dias, sendo que a fêmea pode conceber uma ninhada/ano, embora o intervalo comum entre ninhadas seja entre 18 e 24 meses. Filhotes já acompanham a mãe em caçadas a partir dos três meses. O tamanho médio das ninhadas é de dois filhotes, variando de um a seis. A reprodução só se dá quando o território é demarcado. Isso significa que os machos só se reproduzem após a morte ou o desaparecimento dos machos mais velhos. Os limites territoriais são estabelecidos através de um sistema (sinais sonoros e arranhaduras em troncos de árvores) que minimiza o confronto entre elas.
Conhecer a espécie é fazer recuar as fronteiras da ignorância. Conhecer sobre seus hábitos é o passo definitivo para permitir que medidas adequadas de manejo evitem o extermínio dessa espécie.
Esse episódio vem nos dar uma importante lição: os atropelamentos de animais silvestres podem ser evitados, desde que eles sejam considerados vítimas em potencial. Isto é, desde que seja respeitada a condição de ser vivo e, como tal, legítimo representante da natureza, único e insubstituível.